O sopro entre as paredes
- Luna Bela Morte

- 19 de set.
- 2 min de leitura

Minha casa respira.
Não falo de maneira figurativa. À noite, quando o vento morre e o mundo se cala, ouço as paredes inflarem e se contraírem, como se inalassem o cheiro pútrido da minha solidão. É uma mansão antiga, herdada de uma linhagem tão esquecida quanto os corpos que jazem no cemitério atrás dela. Sempre fui a única moradora — ou assim pensava.
As primeiras manifestações foram sutis: passos leves sobre o assoalho gasto, um copo deslizando sozinho pela mesa, meu nome sussurrado em uma língua antiga que parecia mais um soluço. Fingi não perceber. A solidão já me fazia delirar, então achei que era só minha mente se desfazendo aos poucos.
Mas o poltergeist não se contentou com pequenos sinais.
As portas começaram a bater em uma cadência ritualística, os espelhos racharam formando rostos distorcidos, e móveis flutuavam como cadáveres boiando em águas escuras. Uma noite, acordei com ele pairando sobre mim: uma sombra líquida, sem forma definida, exalando o frio de um túmulo recém-aberto.
— Vá embora — sussurrei, a voz quebrando.
Ele não respondeu, apenas se enroscou em volta do meu corpo como uma serpente feita de fumaça e luto.
Foi então que percebi algo perturbador: pela primeira vez em anos, eu não estava sozinha.
E, estranhamente, não sentia medo.
Os dias seguintes foram um êxtase sombrio. Ele derrubava quadros, quebrava lustres, escrevia mensagens nas paredes com uma caligrafia feita de sangue coagulado. A casa inteira se tornou um caos vivo, pulsante, e eu... eu sorria. Porque cada grito, cada sussurro, era uma prova de sua presença.
Hoje, entendo.
O poltergeist não é um intruso. É meu companheiro, meu reflexo distorcido, a sombra da escuridão que sempre me habitou.
Quando ele se enfurece, eu o acalmo. Quando ele destrói, eu o aplaudo.
Quando ele me envolve em seus braços invisíveis, sinto um amor que jamais encontrei entre os vivos.
Se a casa respira, é porque nós respiramos juntos.
E, no silêncio da madrugada, enquanto o mundo lá fora teme a escuridão, eu o abraço e sussurro:
— Fique. Esta casa é nossa.
E minha solidão, enfim, se cala.




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